Uma nova forma de consumir

Donas de brechós encontram espaço nas redes sociais para promover uma reflexão sobre como a moda pode ser mais consciente através da venda e compra de roupas usadas.

Julia S.
9 min readMay 19, 2020

Por: Júlia da Silva (Texto feito em laboratório de prática de jornalismo, no Centro Universitário IESB — Reportagem jornalística com 2100 palavras)

Digitar “brechó” na barra de pesquisas do Instagram é como se sentir uma criança numa loja de doces, é um verdadeiro mar de opções de lojas de roupas usadas por preços acessíveis.

Não existe um número comprovado de quantos brechós existem na rede social, mas a #brechoonline já conta com 1,5 milhão de publicações e entre elas é possível ver diversas variações desse tipo de empreendedorismo como os especializados em roupas de criança, marcas de grife ou estilo vintage.

Os brechós são opções para compra de roupas usadas que passaram por uma curadoria, um processo de escolha das melhores peças entre várias, diferente dos bazares que geralmente não passam por esse tipo de procedimento.

A oportunidade de trocas, vendas e desapegos que os brechós oferecem também são um fator atraente para quem quer tirar algumas peças do armário.

Mas o que há de tão especial em uma roupa que não é nova?

A estudante de licenciatura em dança Sabrina da Costa, 20 anos, acredita que as histórias são o fator mais intrigante das peças usadas: “Acredito firmemente que as peças têm uma vida, e elas guardam isso através daquele rasgadinho, daquela manchinha que não sabemos como foi parar ali, tudo isso guarda uma história” diz Sabrina, “se for parar e pensar, nós já vivemos essa questão do brechó em casa, quando reusamos as roupas dos nossos irmãos ou primos mais velhos”.

Sabrina conta que sempre consumiu de brechós, e com isso surgiu a vontade de ter um para chamar de seu: o Xoo Out. A venda dos desapegos pessoais de Sabrina funciona apenas por Instagram e ela conta que, mesmo tendo só 2 meses de experiência, já aprendeu muito: “Com o brechó eu aprendi a desapegar, eu era muito acumuladora e apegada, ainda mais com coisas que eu assimilava lembranças à elas, hoje em dia não mais.”

Desapegar de uma roupa que não usamos mais pode mudar a nossa perspectiva do que realmente precisamos ou não, segundo Juliana Brito que é estudante de moda.

Através de seu perfil no Instagram, ela produz conteúdos acerca da importância de descobrir o próprio estilo antes de comprar roupas partindo da premissa que alguém que está sempre insatisfeito com suas roupas, consequentemente consome mais: “Procuro ajudar a pessoa descobrir o que gosta e isso diminui muito as compras desnecessárias”, afirma Juliana, “ao trazer essa mentalidade que roupas não devem ser descartáveis, eu acredito que é mais natural depois as pessoas aceitarem outras ações de sustentabilidade no cotidiano delas”.

A estudante de 21 anos também procura responder questões como: qual a melhor forma de se manter nas tendências sem comprar muito?

O conselho de Juliana é encontrar um equilíbrio entre o que está na moda e o que é o seu estilo “Nós não somos obrigados a estar sempre na moda, podemos transformar o que já temos em algo mais atual, comprar peças mais básicas que acabem combinando com tudo”, aconselha a estudante “outra ideia é garimpar em brechós e bazares, que podem ter sim coisas super atuais e por um ótimo preço”.

Consumo consciente e moda sustentável, o que são e como os brechós fazem parte disso?

Certas coisas desagradáveis por vezes ocultadas pelas grandes marcas seriam descobertas caso percorrêssemos o caminho de fabricação de uma peça de roupa. Por exemplo os dados de 2018 da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a quantidade de água necessária para a produção de uma calça jeans — quase 4.000 mil litros.

Ainda segundo a ONU, o processo equivale a uma emissão de 33,4 kg de carbono, o mesmo valor estimado para uma viagem de carro de 111 km.

Com isso, a indústria têxtil é responsável por 8% da emissão de gases do efeito estufa já que, além da água, o processo de fabricação de tecidos envolve agrotóxicos nas plantações de algodão, produtos químicos nas colorações, resíduos sólidos de retalhos e, em alguns casos, o vapor proveniente de queimas de óleo em caldeiras.

Mas o impacto ambiental causado pela indústria têxtil não é o único problema que envolve a produção de roupas. O documentário estadunidense O Verdadeiro Preço (The True Cost, 2015) dirigido por Andrew Morgan, evidencia a cadeia produtiva de roupas das grandes redes varejistas, que usam da mão de obra barata em países como a China e Bangladesh, para produzir cada vez mais e consequentemente, vender mais. Essa prática ficou conhecida como fast fashion, do inglês moda rápida.

O filme também mostra cenas reais do desabamento de um prédio em Bangladesh no ano de 2013. O acontecimento que matou centenas de fabricantes de roupas chocou o mundo, pois a estrutura do local apresentava inúmeros indícios de que iria desabar porém, para que a mão de obra das peças continuasse barata, foi preciso ter cortes de gastos, inclusive os que seriam destinados à segurança dos funcionários.

Casos no Brasil de trabalhos análogos à condição de escravos na confecção de roupas também já foram registrados. A marca paulista de vestidos de luxo, Amissima, foi investigada por auditores fiscais em 2018 e o que se descobriu foi: trabalhadores bolivianos recebendo R$ 3 por peças feitas em jornadas exaustivas de 14h de trabalho, dormindo no próprio local onde as peças eram feitas, uma sala abafada e sem conforto.

Devido a esse tipo de abuso, movimentos surgiram contra o trabalho escravo usado no fast fashion, chamando atenção também para os impactos ambientais das indústrias têxteis. Um exemplo é o Fashion Revolution, criado por profissionais da área da moda após o desastre em Bangladesh.

O movimento tem um objetivo: a busca por transparência e dignidade no processo de fabricação de roupas. Consumidores e estilistas foram aos poucos se conscientizando, e os termos moda sustentável e consumo consciente começaram a aparecer.

A representante do movimento em Brasília, a jornalista Iara Vidal, 46 anos, explica que sua atuação na capital tem sido uma militância de moda e política, buscando mudar os hábitos de consumo através de políticas públicas.

Iara afirma que a moda de fato sustentável não existe, já que é impossível se ter algo assim em um sistema tão linear quanto o da moda, mas que o consumo pode ser sim consciente: “Saber da produção, das condições de trabalho e do impacto que qualquer atividade, inclusive a moda, possa ter no mundo já é ter uma moda mais consciente”, afirma ela.

Segundo a jornalista, muitas marcas de roupa fazem o greenwashing (do inglês, lavagem verde), uma prática de marketing que consiste em afirmar que os produtos vendidos possuem cadeias de produção sustentáveis, mas não comprovam de fato essa sustentabilidade, ou seja, é uma estratégia usada para atrair os consumidores que atualmente estão mais conscientizados.

“Um exemplo são marcas que produzem 60 toneladas de produtos têxteis por mês e destinam uma ou duas para reciclagem, como se isso fosse super inovador”, diz Iara, “O fast fashion tem feito a humanidade pagar, destruindo rios com as técnicas de tingimento e deixando o solo impraticável com agrotóxicos e venenos no plantio de algodão”.

“Se existe alguma roupa sustentável é a que já existe, qualquer esforço para preservar recursos naturais é o melhor jeito, então é sim uma forma de consumo consciente comprar de brechós.” — Iara Vidal, representante do movimento Fashion Revolution em Brasília.

Foi pensando nisso que a biomédica de 25 anos Viviane Ferreira Rodrigues decidiu ter o seu próprio brechó e conscientizar cada vez mais pessoas sobre a importância de consumir roupas que já existem e não incentivar a produção de mais.

O Brechó Touché já conta com 3.000 seguidores e existe a 1 ano, por Instagram. As peças vêm de bazares e passam por uma seleção feita por Viviane que busca vender peças dos anos 90 que, segundo ela, são bem mais duráveis.

Ao observar que a atual geração está mais preocupada com questões ambientais e de consumo consciente, a biomédica optou trazer em seu brechó pequenos detalhes que fazem toda a diferença: “Minhas embalagens são feitas com material reciclável, as etiquetas também, mostro no Instagram todo o processo desde o garimpo até entrega do pacote”, explica ela. As etiquetas que acompanham as roupas são feitas com caixa de leite e outras embalagens que seriam descartadas.

Viviane também motiva suas seguidoras a desapegarem de roupas que não são mais utilizadas, compartilhando conteúdos sobre questões de sustentabilidade e consciência na hora de comprar um look novo: “Minha lojinha levanta essa bandeira da responsabilidade do consumo consciente e de reciclar”, explica a empreendedora, “O que não é vendido é doado, então eu sempre estou procurando movimentar a roupa.”

“É importante consumir o que já existe, é bonito o que cabe no nosso bolso é confortável que não agride o meio ambiente.” — Viviane Ferreira, dona do Brechó Touché

Do garimpo a venda

Além das opções presentes no Instagram, os brechós também podem ser encontrados fisicamente ou, com variações mais participativas como é o caso do site Enjoei, que também é um aplicativo. Através da plataforma, o usuário pode comprar ou vender peças, ou seja, a estrutura para expor as roupas já está pronta e o usuário deve apenas postar as fotos, delimitar os preços e divulgar.

Uma outra opção é o site TROC, intitulado na página inicial como o maior brechó online do Brasil. Possui a mesma intenção: um brechó online onde todos podem expor para venda e comprar de outros, porém o TROC é voltado para roupas, bolsas e sapatos de marcas como Channel, Dolce & Gabanna, Colcci, etc.

Acessibilidade a marcas famosas, consideradas de alto preço, também é algo característico do brechó brasiliense Peça Rara, onde além das roupas, também são vendidos brinquedos e roupas infantis. Um diferencial do Peça Rara é aceitar fazer consignação, uma prática onde o brechó aceita vender a peça de outras pessoas e, quando a peça é vendida, o lucro é dividido entre quem disponibilizou a peça e o próprio brechó que forneceu toda a estrutura para que essa peça fosse vendida.

Sendo ele virtual ou físico, uma questão a ser respondida sobre os brechós é: de onde vêm as roupas? No Fábrica de Brechó, da estudante de 18 anos Ana Gilgal, as roupas primeiro vinham de desapegos pessoais. Hoje elas vêm de garimpos e de consignação. O perfil do brechó online no Instagram conta com 5.000 seguidores. Apesar do crescimento, Ana diz que não começou o brechó com nenhuma intenção mágica: “Era só vender roupa para ganhar dinheiro, estávamos passando por uma crise financeira”, conta, “qualquer coisa que precisasse de dinheiro envolvido, era muito difícil”.

As roupas consignadas do Fábrica de Brechó passam por um processo de triagem, assim como o garimpo, que é basicamente uma curadoria de roupas feita em bazares, onde a roupa é vendida mais barata. O que começou como uma forma de ajuda financeira, se tornou um amor: “Dificuldades tem muitas, mas não ligo mais, eu faço porque gosto”, afirma Ana, “Aprendi muito de dois anos pra cá sobre o que é vintage, retrô, modelagem”.

Ter um brechó, na vida de Amanda de Oliveira, é praticamente uma coisa hereditária. “Minha vó paterna tinha um brechó, ela era muito feliz com ele, lembro que ela não gostava de gastar muito com roupa”, conta a estudante de 21 anos, “em casa com minha mãe o mesmo, fui ensinada que se for para comprar roupa, que sejam roupas que durem”.

Além disso, Amanda conta que sempre gostou da questão da personalização de roupas e do reuso, e sempre viveu isso entre seus primos e sua irmã, dividindo roupas ou dando o que não cabia mais nela para seus familiares mais novos. O brechó Frozinha funciona somente por Instagram e já conta com mais de 1.000 seguidores em dez meses de existência.

O Fábrica de Brechó e o Frozinha, possuem uma coisa em comum: nasceram com a necessidade de uma renda extra. No caso de Amanda, quando ela e sua irmã decidiram morar juntas o orçamento ficou apertado. Com isso, uma pilha nova na organização do guarda roupa foi adicionada: as roupas que iriam ser vendidas. Ou seja, as primeiras peças vendidas foram desapegos pessoais.

Além da possibilidade de uma ajuda financeira, Amanda considera que brechós tem se tornado uma tendência devido ao maior número de conscientização ambiental por parte dessa geração: “Até em maquiagens as pessoas procuram produtos veganos. Essa consciência na hora de consumir devia ter sido muito antes desse caos todo”, opina a estudante. Brechós não são lojas com fabricação própria e por isso não possuem estoques de peças iguais, cada peça é única. Unir essa individualidade com conscientização ambiental e financeira, para Amanda, foi o combo para que atualmente os brechós sejam procurados pelos jovens, seja para ter um ou para consumo.

Garimpo, o que é?

Donas de brechós explicam o que é o tal do garimpo, a parte essencial, senão a mais importante, na vida de quem vende roupas usadas.

Garimpo é terapia. Quando você pega o jeito e está sempre garimpando, é a melhor coisa da sua vida, escolher suas peças a dedo. Quando eu estou sem garimpar é triste.- @fabricadebrecho, Ana

É a etapa primordial, se não tem garimpo não tem brechó, então pras brecholeiras é a caça ao tesouro. — @brechotouche, Viviane Ferreira

É ver potencial numa roupa na qual antes ninguém via. — @xoo_out Sabrina da Costa

Garimpar é amor, né. É ressignificar uma peça de roupa, tirar ela do cantinho para ser amada de novo por alguém.- @frozinha.brecho

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Julia S.

Comunicadora (nome chique pra Faladeira). Sou formada em jornalismo e aqui falo sobre escrita, leitura, marketing e outras descobertas aleatórias 🔎