As culturas do Centro de Dança do Distrito Federal

Samba, balé clássico, contemporâneo, hip-hop… O Centro de Dança de Brasília reúne todas essas culturas em uma só batida

Julia S.
8 min readMar 11, 2020

Por: Júlia da Silva e Camila Miranda (Reportagem vencedora do 3º lugar do Projeto Integrador de Jornalismo do Centro Universitário IESB em 2018)

Desde o balé clássico até o frevo, do hip hop às intervenções experimentais, o Centro de Dança do Distrito Federal abriga os mais diversos estilos de dança desde a sua reabertura, em 28 de fevereiro deste ano. Por ser um espaço de formação, o local representa mais do que um hobby e torna-se um fator importante na individualidade dos dançarinos. Aqui a dança molda as pessoas, e entre um ensaio e outro é possível construir essa identidade tendo a experiência do contato com todos os tipos de linguagem.

O espaço sendo aberto para todos os públicos faz com que alunos e bailarinos sintam-se bem, de forma que possam ensaiar, desenvolver processos criativos e ter um espaço para chamar de “seus”. Juana Miranda, produtora, atriz e uma das responsáveis da organização do Centro através da Associação Conexões Criativas, diz que o lugar também pode ser explorado de diversas formas produtivas: “Tudo é compartilhado com um grupo social, precisamos um do outro para ter uma cultura” e finaliza que o espaço colabora para ver outras pessoas dançando e sentir o apoio que pode ser dado uns aos outros.

A relação que existe entre cada estilo de dança representa a identidade do Centro. Um dos fatores que contribui para essa identidade tão diversificada é o fato de que os bailarinos levam para os ensaios os pontos de partida que os incentivaram a dançar, as experiências de vida e suas culturas, e o que era algo pessoal, passa a ser expressado através da dança.

Amanda Freitas, bailarina de balé clássico, conta que desde pequena sempre foi apaixonada por Michael Jackson e então pediu para mãe a colocar na dança. Ela começou pelo jazz e depois se apaixonou pelo balé. Hoje é bailarina do Balé da Cidade de Brasília e do Corpo de Baile da Escola de Dança Noara Beltrami. “Tudo aquilo que eu fui no passado eu trago aqui para hoje, tento até juntar o Michael Jackson com o balé, eu sou bailarina, mas também sou a louca que vai lá e faz o cover de Michael. “, conta Amanda.

Já Juana passou por vários processos até se descobrir dentro da dança contemporânea: “Minha mãe me colocou na ginástica rítmica e depois eu fui para ginástica olímpica e com sete anos eu entrei no balé, e achei chato. Então fui para o jazz, mas a diretora falava que para ser do grupo tinha que dançar balé também, então eu fiz até os vinte anos balé e jazz. “

O Centro de Dança é um espaço que abriga várias pessoas com diversas modalidades a fim de se expressarem da forma que se sentirem à vontade. Compartilhando do mesmo lugar as trocas culturais entre os bailarinos são amplas e a forma de ver a dança também está ligada às vivências culturais de cada um. Noara Beltrami, uma das diretoras do Balé de Brasília e fundadora da Escola de Dança Noara Beltrami, tem atuado no meio devido ao Balé de Brasília. Ela diz que o local tem sido importante para a arte no Distrito Federal. “A importância do Centro é enorme, nós precisamos de espaço público para fomentar a dança, e ele até hoje é referência nesse quesito, porque, através de editais, nós da comunidade artística conseguimos trabalhar com qualidade”, Noara diz em entrevista.

Política de valorização da dança

A gestão do Centro de Dança é compartilhada entre a sociedade civil e a Secretária de Cultura do DF (Secult DF). Através de editais lançados pelo site, um grupo ou pessoa que queira usar o espaço apresenta seu projeto e aguarda a aprovação para o uso de uma das salas.

Organizado também pela Associação Conexões Criativas, entidade sem fins lucrativos que é responsável pela programação do uso das salas e das apresentações abertas ao público geral. Juana Miranda explica melhor qual é a atuação da Associação: “Tratamos da agenda, contratos e organizações das atividades que acontecem no espaço dentro de uma linha de regras que seguimos do edital. “

A Política de Valorização da Dança é a lei que incentiva, de forma institucional, o incentivo a prática da dança no DF. Lívia Frazão, representante da Política explica o por que dela: “Estávamos vendo no DF um retrocesso do cenário de manutenção de grupos e de criação de espetáculos de dança. Então foi necessário criar uma política para fortalecer a dança”.

A lei tem um equipamento chamado receptor, que é o Centro de Dança do Distrito Federal: “É claro que existem outros espaços privados, mas o Centro é o grande receptor da Política de Valorização da dança, então fizemos toda programação para que pudéssemos conceituar os objetivos que a lei coloca”, esclarece Lívia.

Projeto Pés

A diversidade social e a acessibilidade é um dos pilares do Centro de Dança de Brasília. Trabalhos que investem na potencialidade humana e buscam desenvolver suas mais variadas capacidades. Um dos projetos que envolve o processo das limitações de pessoas especiais é o chamado “Projeto Pés”, dirigido pelo professor Rafael Tursi. A dança passa a assumir a tarefa de incluir aqueles que se sentem diferentes ou que não sentem capazes de dançar.

Após se formar em Artes Cênicas, Rafael sentiu a vontade de incluir deficientes físicos em dança e teatro: “Eu entendi que meu projeto não ia reabilitar pessoas, mas eu iria trabalhar com artes e movimentos”. No começo seu projeto era realizado em um espaço da Universidade de Brasília (UnB) e por ser um local escondido, ele não ganhou muita evidência.

Com a reabertura do Centro de Dança e a mudança de espaço, o projeto passou a ter mais divulgação. “Começamos a ser vistos pela comunidade da cidade, então começamos a comungar esse território cultural porque o que eu faço não pode ser exclusivo, tem que ser inclusivo”, conta Rafael.

A dinâmica usada em suas aulas é a mesma para pessoas sem deficiência e apenas muda a abordagem para que fique cabível aos alunos. Júlia Maia, 22 anos, graduada em teatro e aluna de psicologia, diz que já teve dificuldades para se encontrar, pensando que por ser deficiente seus movimentos estariam limitados e que não poderia mais ter como se desenvolver, conversou com uma amiga que havia sofrido um acidente e ela falou sobre a importância da dança.

Mesmo com o projeto ter se desenvolvido de uma forma positiva gerando resultados, Júlia confessa sentir falta de danças em outros lugares que em sua perspectiva, sejam tão acolhedores como o Centro de Dança foi com ela. “Na minha opinião tem faltado muito essas atividades voltadas para as pessoas com deficiência porque a gente também tem direito”, desabafa Júlia.

Dança e diversidade

A dança carrega em si uma grande diversidade e traz para aqueles que a praticam uma identificação cultural, trazendo de volta raízes, dando palco ao reconhecimento. Assim conta Joceline Gomes, professora de dança africana, que passou por discriminação em outros estilos antes de finalmente encontrar sua paixão pela dança afro em 2015.

Desde então Joceline tem lecionado danças afro-brasileiras, Azonto, Afro House, Kuduro e outros de matrizes culturais africanas. Ela diz que mescla a dança afro-brasileira com a africana em suas aulas e que acredita que a cultura de uma faça parte da outra: “A diversidade que esse tipo de dança traz é, na verdade, conhecer uma cultura que não é diferente da nossa, mas parte integrante da nossa.”

Após se assumir como mulher negra, se identificar com sua corporeidade e com seus ancestrais dentro da dança, ela sente que se encontrar na modalidade afro, foi como um despertar para si. Ao descobrir que de cada movimento existia uma história, ela passou a explicar isso aos seus alunos, para que assim como aconteceu com ela, a dança ensinasse a outros a ser quem são e a se descobrirem também.

Fazer com que entendam que dança não é apenas movimento, mas sim expressão de si mesmo é o objetivo do professor Gustavo Letruta, com as aulas de Dança, corpo e perfomance. A proposta, segundo ele, é entender que não existe um corpo ideal para trabalhar a dança, todos os corpos dançam e todos os corpos possuem liberdade de entrar nessa aula e conseguir dançar e isso tem atraído alunos desde os 16 aos 53 anos.

Gustavo conta que começou na dança de salão, mas que achava o estilo estigmatizado e sexista, então procurou danças individuais, como o street dance, hip-hop, jazz e outros nessa mesma linguagem e isso o ajudou a construir sua identidade como professor: “Eu comecei a perceber que eu poderia construir uma narrativa, algo que não fosse só movimentação e trabalhando isso consegui construir minha própria dança”. Ele finaliza contando que um fator importante para a construção disso foi sentir falta de uma verdadeira conexão entre alunos nas academias de dança.

Seus processos criativos para as coreografias envolvem também outras identidades, e isso é algo que se encontra no Centro facilmente, por isso ele sente a importância dessa diversidade não só para suas aulas, mas para Brasília: “Nós estávamos precisando de um lugar onde há muitas possibilidades de pensar em dança, desde o balé contemporâneo, danças folclóricas, enfim, todas as danças que estão passando pelo Centro faz com que as conexões permitam que as pessoas se conheçam.”, finaliza o professor.

Influência da dança na cultura pessoal

As linguagens dos dançarinos que compartilham o espaço do Centro de Dança são uma exteriorização das suas identidades. A dança se tornou para essas pessoas uma forma de expressão que se reverberou por todos os aspectos de suas vidas, desde a forma de enxergar o mundo até o jeito de se vestirem.

Paola Luduvice, psicóloga e dançarina de balé contemporâneo, conta como a dança a faz falar de forma diferente ou se vestir de um jeito próprio: “As vezes pego umas roupas folgadas ou até mesmo quente no calor, pelo costume. Depois percebo que de qualquer forma a dança passou a influenciar quem eu sou”.

Em meios tão burocráticos e complexos, a dança ensinou Paula Nóbrega, que trabalha com projetos navais, a ser cada vez mais disciplinada. Sendo bailarina do Balé de Brasília, ela diz: “A dança me ensinou muita coisa em vários aspectos, desde uma disciplina pessoal até a olhar meu emprego de uma forma menos engessada”. Para ela, a arte permitiu que ela se descobrisse como pessoa.

Fazer da cultura de algo a sua é tornar aquilo mais do que um hobby, mas sim um estilo de vida. Quando algo passa a se tornar a identidade pessoal de alguém, isso interfere nos hábitos e escolhas. Murilo Campos, professor e bailarino do Balé de Brasília, fez a cultura do balé como a sua. A dança começou como uma forma de preencher uma necessidade de desafiar a si mesmo, mas agora ele afirma que ela tem o mudado de dentro para fora.

Ainda que exista uma cultura ditada pela sociedade, dentro da dança há o incentivo do individualismo, não o coletivo de algo padronizado. Cada pessoa passa a ser um e essa diferença traz um maior olhar de respeito sobre os outros. Murilo diz que essa “mistura” de culturas dentro de um mesmo local “é uma delícia!”, já que não ficam tão fechados a um só pensamento.

“Fazer parte de algo já cria a sua identidade, você é tomado por escolhas iguais ou parecidas com de pessoas que fazem o mesmo que você” — Bailarino Murilo Campos

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Julia S.

Comunicadora (nome chique pra Faladeira). Sou formada em jornalismo e aqui falo sobre escrita, leitura, marketing e outras descobertas aleatórias 🔎